Arquitetos da Saúde

O Futuro dos Hospitais?

Desde que fui convidado pelo Conselho de Administração da Rede Mater Dei, de Belo Horizonte, para fazer uma palestra, outros muitos convites se seguiram sobre o mesmo tema: Como Pensa Quem Paga?

Assim que sou abordado, já adianto que a palestra na realidade se refere ao que chamo de uma “provocação positiva.” Explico o porquê. Durante os últimos 20 anos da minha vida profissional, além de cargos como representante de entidades de classe, alternei funções executivas em hospitais e consultorias de benefícios. Ou seja, de um lado era responsável por liderar um time que tinha como objetivo estreitar e inovar o relacionamento com operadoras de planos de saúde. Já na posição de consultor de benefícios, tinha como responsabilidade coordenar um outro time que contribuísse para a sustentabilidade do benefício saúde para as empresas. Em suma, aprendi a pensar como quem entrega os serviços, mas também com o chapéu de quem paga pelos mesmos.

Vejo a cadeia inteira de saúde passando pelo que chamo de uma enorme “onda de valor”. Financiadores (empresas na sua grande parte) deixando de ser meros pagadores de boletos de planos de saúde e engatinhando no papel de gestores da saúde de seus colaboradores. Corretoras de planos de saúde, por sua vez, tendo que rapidamente se reinventar mediante cobranças de valor por parte de seus clientes. Alguns destes, aliás, já se perguntam se efetivamente precisam das mesmas. Operadoras de planos de saúde, por sua vez, também parecem buscar um novo caminho. Para algumas a verticalização vem dando certo, enquanto outras procuram nichos específicos de clientes ou segmentos. Raras são aquelas que ensaiam gestos na direção da gestão de saúde e uma pequena parte sai do risco e aluga rede, negociação e regulação (para os casos de clientes em pós pagamento). Um número menor ainda engatinha na construção de sua “verticalização virtual” junto a prestadores de sua confiança. Todos estes elos aqui descritos já “sofrem” de uma forma ou outra, o despertar do financiador. Mas e os hospitais?

Com raríssimas exceções vejo os hospitais entendendo a “onda de valor” que irá bater em suas portas e que está longe de ser uma marola. Após expressiva retração do setor de saúde suplementar, muitos priorizam suas ações em como preencher seus recém-inaugurados leitos planejados em épocas de bonança. Outros tantos pela musculatura que têm (refiro-me aos hospitais de rede) se utilizam de sua força para comprar e vender melhor, garantindo assim resultados melhores que seus concorrentes. Uns poucos caminham nesta mesma direção ampliando sua atuação geográfica e de perfil de clientes. Uns menos ainda, historicamente se posicionaram em um nicho específico e nele se mantêm de forma disciplinada e competente. E uns poucos estruturam programas de gestão de saúde próprios com resultados assistenciais de qualidade, mas infelizmente não conseguem adesão de operadoras.

É inquestionável que os hospitais privados brasileiros evoluíram muito do ponto de vista do negócio. Mas, como diz Peter Drucker, hospitais são monstros de duas cabeças e é sobre a assistencial, e não a do negócio, que me refiro. Não questiono os movimentos para se ter mais economia de escala e poder de negociação. Estes são benvindos, mas, com certeza não blindarão os hospitais de alguns movimentos “assistenciais”.

O fato é que quem paga a conta já começa a perguntar cada vez mais quais as melhores instituições de saúde e porque são melhores. Estas respostas simplesmente não existem porque a imensa maioria das instituições não a medem. E as poucas que a medem não as divulgam. Empresas querem saber sim quem entrega estritamente o que precisa ser entregue, no momento e na estrutura mais adequada e com resultados mais adequados, sejam eles tanto do ponto de vista da experiência do paciente quanto econômico. A meu ver, é aqui que muitos hospitais serão pegos de surpresa e de forma muito rápida. Exploremos um pouco os motivos.

Começam a surgir, quase que silenciosamente, estruturas focadas para cuidados específicos como, por exemplo, hospitais de retaguarda. De uma hora para a outra, surgiram tantas que já tem uns adotando como estratégia de diferenciação o fato de serem os maiores já inaugurados. O fato é que estas instituições terão, em pouco tempo, plenas condições de entregar o cuidado necessário, no ambiente necessário, a um custo adequado, de forma muito mais satisfatória, em todos os sentidos, que os demais hospitais gerais. Pensemos por exemplo na quantidade de pacientes crônicos que residem em UTIs por falta de estruturas como estas que começam a surgir. Curioso como sou, visitei e conversei com algumas destas novas lideranças e percebo que algumas operadoras de planos de saúde e as próprias empresas clientes já começam a entender ao que vieram.

Outra solução assistencial que poderia tranquilamente ter surgido dos hospitais tendo como diferencial sua reputação institucional, são as clínicas ambulatoriais com exames simples. Elas se proliferaram por algumas grandes cidades, se consolidando rapidamente como solução parcial ambulatorial para aqueles que não têm mais plano de saúde. Mais uma vez, os hospitais foram silenciosamente e rapidamente comidos pelas beiradas. Parecem ter perdido a grande oportunidade de oferecer soluções nesta linha, se posicionando de forma diferenciada daquelas que surgiram, em função de suas reputações já existentes.

Se de um lado temos um movimento de fragmentação do mastodonte hospital geral em unidades potencialmente mais leves e eficientes, de outro existe uma ameaça interna aos próprios hospitais. Refiro-me à forma como se gere, ou melhor NÃO se gere, o corpo clínico. O maior desafio dos hospitais para os próximos anos não está mais na gestão do negócio, mas sim na gestão da assistência. E, por falar em gestão da assistência, estamos falando em primeiríssimo lugar na gestão de corpo clínico. Indo direto ao ponto, a imensa maioria dos hospitais não está capacitada para responder as demandas das empresas quanto às simples perguntas feita no inicio deste texto: quais os melhores hospitais e baseado no que são melhores? Muito pelo contrário, todos têm na ponta da língua que seu foco estratégico está em especialidades como ortopedia, cardiologia, oncologia e neurologia. Faltou apenas combinarem com todos os outros “os alemães” que escolheram a mesmíssima estratégia.

O modelo de remuneração baseado em volume atrelado ao corporativismo médico se traduz numa equação falida com os ingredientes perfeitos da bomba relógio que os hospitais insistem em não desarmar. Afinal, de um lado há o modelo de remuneração que não mede, reconhece e valoriza a melhor assistência. De outro lado há a dificuldade colossal de conscientizar e comprometer os seus pares médicos. Estes fatores levam a alta administração e a direção médica a evitar encarar de frente este imenso desafio que no final do dia – não se iludam – representam simplesmente o kit de sobrevivência destas instituições.

As áreas comerciais de hospitais simplesmente não conseguem construir propostas de valor visando sua diferenciação e eventual redirecionamento estratégico, pois as áreas médicas não fazem o que precisa ser feito. Falam línguas distintas e, por não se comunicarem e integrarem, perdem tempo precioso. Perdem tempo de vida.

Curioso ver, porém, que parece existir luz no final do túnel para alguns poucos. Vide o exemplo de hospitais que enquanto clientes mudaram a sua abordagem em relação à gestão de saúde de seus colaboradores. E, ato contínuo, a partir de suas próprias experiências construíram soluções assistenciais… repito, assistenciais, para as empresas contratantes.

Há mais de dois anos o Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, desenvolveu e implantou um projeto nesta linha. Recentemente o Hospital Sírio Libanês criou soluções de atenção primária para as empresas que contratam planos de saúde. O Hospital Israelita Albert Einstein, por uma outra rota, caminha nesta mesma direção de construir proposta de valor para as empresas contratantes. A Rede Mater Dei, por sua vez, também já adota seu projeto próprio de Saúde Corporativa.

Resumindo, entenderam, com a própria dor, a necessidade de se tratar primeiro para depois contribuir para o tratamento dos demais. Entenderam que a solução de custos passa em primeiro lugar por uma solução assistencial. Entenderam que o caminho é tratar das causas e não dos sintomas. Entenderam, por fim, que o hospital não precisa ficar restrito às amarras de sua estrutura física e que existe uma enorme oportunidade na sua reconstrução a partir de um posicionamento disruptivo.