Arquitetos da Saúde

O despertar da autoridade

Em almoço com admirável liderança na área da saúde, José Antônio de Lima, engrenamos em uma conversa um tanto filosófica traçando um paralelo entre a atualidade do nosso país e a saúde suplementar. Achei que talvez fosse interessante registrá-la enquanto permanecia fresca em minha memória.

Com frequência observamos um baixo astral em relação ao momento do país, assim como da saúde suplementar. O cansaço, a descrença e a preocupação em relação ao presente e o futuro imediato têm pautado boa parte das rodas de conversas. De um lado gestores de operadoras e prestadores de serviços médico-hospitalares com os quais converso parecem enxugar gelo e apagar incêndios no dia-a-dia. Cidadãos por sua vez reclamam sobre o baixo nível de serviços públicos, a corrupção instalada em todos os poderes e mostram-se preocupados com os candidatos nas eleições que estão por vir. No final do dia, em ambos os contextos, parece que é aguardado o dia milagroso em que tudo passará a ser melhor.

Não é por meio desta lente desesperançada, no entanto, que enxergo o nosso país, assim como a saúde suplementar. De fato, as notícias negativas são inegáveis em ambos os contextos e isto é preocupante no curto prazo. Mas o recuso-me a compartilhar deste sentimento quando coloco o que estamos vivendo em perspectiva.

Aprendi a ampliar o espectro dos acontecimentos com Dr. Adib Jatene, com quem tive o prazer de conviver enquanto trabalhei no Hospital do Coração. Recordo-me dele dizendo, enquanto eu questionava o momento do país, que teria que ter paciência, entender que éramos um país jovem ainda e que, num horizonte ampliado de tempo, vínhamos evoluindo como país e como sociedade, ainda que estivéssemos longe do que desejávamos. Ele me fez pensar e procurar colocar o momento atual dentro de um contexto, identificando os sinais de mudança.

É nesta linha que enxergo a construção de um tecido crítico daqueles que permeiam ambos os ambientes. É nisto que procuro me pautar, acreditando que estamos em um momento histórico e disruptivo que só ficará claro quando olharmos para trás num horizonte de uns 10 anos. Em ambos os contextos a verdadeira autoridade está despertando e não tenho dúvida alguma a este respeito.

De um lado, o cidadão adormecido vem despertando na alma de uma parcela significativa de brasileiros. Por mais que se negue, o cidadão brasileiro evoluiu demais como ser político nos últimos anos exatamente por conta das crises morais neste ambiente. Cidades como Mauá de Serra, Santo Antônio da Platina e São Mateus do Sul, no Paraná, reduziram o salário dos seus vereadores para o mínimo há poucos anos. Em Monte Alegre de Minas, no Triângulo Mineiro, os vereadores também se viram forçados pela população a reduzir seus salários pela metade. Em Água Branca do Sertão, na Paraíba, a redução foi de R$ 3.000 para R$ 888. Em Cuiabá, projeto de lei de iniciativa popular busca reduzir o salário dos vereadores de R$ 15 mil para três salários mínimos.

Nestas e em outras tantas cidades a população passou a entender que o conjunto de cidadãos é que representa a autoridade e não o inverso. Vereadores são servidores públicos pagos e a serviço dos cidadãos e ponto.

Li recentemente que é bem provável que muitos brasileiros saibam mais os nomes que compõem o Supremo Tribunal Federal do que a seleção brasileira escalada para a Copa da Rússia. O cidadão está ainda mais intolerante com injustiças e desmandos e isto é um alicerce fundamental para as mudanças que estão por vir.

E qual a relação disso com o momento da saúde suplementar? Também em nosso setor a autoridade (financiadores) já começa a cobrar dos atores da cadeia produtiva (ou seria improdutiva) de saúde mais retorno pelos recursos gastos. Vivemos também aqui o início de uma “onda de valor”. Empresas em vários cantos do país, cansadas da ausência de soluções, começam a assumir sua parcela de responsabilidade enquanto gestores (e financiadores), além de questionar operadoras, corretoras e prestadores de serviços médico hospitalares. Pelo mesmo motivo, cada vez mais empresas de grande porte alteram sua modelagem de risco, fugindo do frequente improdutivo modelo de pré-pagamento para soluções de pós pagamento, uma vez que já enxergaram que na prática o risco já é delas. Ao assumirem a gestão neste novo modelo, colherão os frutos para si e não serão contaminadas pelas ineficiências e desperdícios de terceiros.

De outro lado, estas mesmas empresas já começam a questionar determinados corretores a respeito da equação de valor: entregas x remuneração. Muitas têm passado a zerar as comissões e optar por pagar diretamente ao corretor pelos serviços prestados. Quando se faz isto, naturalmente se exige mais valor pelo recurso gasto. Estas mesmas empresas também começam a questionar os hospitais a respeito de seus indicadores de desfechos o que, na imensa maioria, não é medido ou divulgado. Querem, em última análise, entender quais as melhores instituições de fato.

Em ambos os contextos, a verdadeira autoridade entrou em campo. Estou convencido de que, ainda que muitos não enxerguem ou acreditem, são elas que começam a liderar o irreversível, disruptivo e necessário processo de mudança de atitudes em áreas fundamentais.