Arquitetos da Saúde

Não é só pelos 20% sobre o sinistro. A pauta é mais extensa.

A discussão do limite técnico, margem e entrega real de valor na gestão dos planos de saúde

Ao pensar em escrever este artigo lembrei-me do movimento de revolta popular em nível nacional que mobilizou o país em 2013 contra a autorização do governo federal para o aumento das tarifas de transporte em todo o país. Foi como se tivéssemos encontrado o fundo do posso e o limite de uma situação insustentável. Governo federal, estaduais e municipais recuaram em todo o país sobre o aumento da passagem e o movimento, depois conhecido como Passe Livre, criou uma pauta política de reinvindicações tais como: o veto à PEC37, pedido de renúncia do presidente do senado, proibição do voto secreto para cassar mandato, etc. Nem todas as reinvindicações foram atendidas, mas foi sem dúvida uma demonstração de força da sociedade civil organizada. Esse período de manifestações ficou conhecido como a manifestação dos 20 centavos, mas era muito mais do que isso.

Enfim, o assunto deste artigo não é esse, mas vi um paralelo interessante deste episódio histórico do Brasil narrado acima e a discussão do limite técnico dos contratos coletivos empresariais, pois a tônica é o perigoso limite em que estamos da capacidade de manutenção do plano de saúde coletivo empresarial.

Os contratos coletivos empresariais não têm o reajuste da regulação pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) tal como acontece nos planos individuais e, portanto, o reajuste anual é de livre negociação entre operadora e empresa. No quesito reajuste nem mesmo o contrato da operadora vale muita coisa, pois a previsão contratual de reajuste por VCMH + sinistralidade quase nunca é aplicado na íntegra, pois muitas vezes o índice total fica inviável. Na minha visão, reajuste é reajuste. Pouco importa se ele tem origem num índice combinado ou único. Além disso, o fato de que quase nunca ele ser aplicado na íntegra do solicitado só reforça o fato de que por mais complexa que seja a mecânica, ele precisa ser viável para os dois lados (empresa e operadora).

Uma das regras contratuais sobre o reajuste é a de que o sinistro fique a 70% ou 75% de todo o prêmio pago. Isto significa que para cada R$ 1,00 pago em prêmio ou receita à operadora, pode-se gastar em despesa médica de R$ 0,70 a R$ 0,75. Acontece que faz anos que a sinistralidade do segmento inteiro está em aproximadamente 85%, ou seja, sobra 15% para que a operadora pague suas despesas administrativas e comerciais e tenha lucro. De fato, ao observarmos o balanço da maioria das operadoras constatamos que não sobra muito em termos de resultado.

Prêmio Outras receitas¹ Sinistro Despesa administ. Despesa operacional Despesa comercial² Resultado
100% 3,7% (84,9%) (8,0%) (5,5%) (4,2%) 1,1%

¹parte gerada por rendimentos de aplicação financeira proveniente das reservas técnicas. ² em grande parte referente ao comissionamento.

NOTA: percentuais relativos à receita total de saúde. Filtro das operadoras com mais de 500 mil vidas concentrando 42% das vidas em plano de saúde.

FONTE DE DADOS: ANS – Tabnet, dados 2017

Uma primeira consideração aqui é a seguinte: é justo que um intermediário ganhe aproximadamente 5% do seu prêmio? A resposta é: depende. O cliente percebe valor efetivo na entrega? O intermediário faz com que seja percebido positivamente o seu valor através das entregas que faz? Na regra geral a maioria dos intermediários nunca se preocupou muito com isto porque a comissão fica embutida no preço final e na maioria das vezes não é necessário contratá-lo num processo de concorrência assim como costuma ser feito na escolha do plano de saúde. Sem ser uma linha no orçamento, o intermediário por vezes é tratado como uma decisão meramente administrativa e na esfera do RH.

O fato é que o risco sempre volta ao colo do empregador e, em certo grau, ao colaborador quando o plano é contributário.

Imaginemos então uma livre negociação de um contrato com 75% de limite técnico, com 80% de sinistralidade e 15% de VCMH. Só de reajuste o cliente deveria pagar 22,66% [equação: (0,8/0,75)*1,15-1] para garantir uma recomposição contratual que tem se mostrado impossível de repassar totalmente ao cliente. Se o resultado das grandes operadoras tem sido em média de 1,1% como foi demonstrado aqui, não seria razoável combinar uma margem garantida à operadora?

Tomando por base os números macros da tabela já demonstrada acima, se o cliente garantisse 20% de resultado bruto à operadora, por exemplo, ele teria um reajuste igual a zero e a operadora um resultado líquido muito melhor. É muita diferença em relação às bases e à forma como o reajuste é negociado atualmente. É olhar de fora e conseguir enxergar uma verdadeira relação ganha-ganha.

Seria necessariamente ruim para a operadora ter um resultado mínimo garantido? Acredito que não. Tanto é que muitas das grandes operadoras têm estruturado a oferta do produto em pós-pagamento. Seria uma sentença de morte ao intermediário ser remunerado por preço fixo, desatrelado do número de vidas, conforme escopo definido e pago diretamente pelo cliente? Aos que entregam valor efetivo acredito que não.

Minha proposta de reflexão ao empregador é a seguinte: se o risco sempre volta a cada 12 meses, a busca deveria ser o compromisso de como contratar o menor agravo de risco possível sobre o sinistro.

Há um longo caminho a ser trilhado neste sentido e eu não pretendo com este artigo diminuir a dificuldade ou a complexidade de acordos mais eficientes, mas é preciso tentar. É preciso repensar a forma de negociar. Tudo isso passa pela construção de uma relação de confiança com a operadora, compartilhando suas metas e ajustando os indicadores de “sobrevivência” de cada lado, e um desprendimento do intermediário para que ele possa ser sócio do sucesso e não do fracasso, pois hoje quanto maior o reajuste, maior a remuneração do intermediário.

Existem boas experiências neste sentido, seja na questão do pós-pagamento, de produtos híbridos ou numa recontratação direta do intermediário por parte da empresa.

O assunto aqui é muito mais do que conseguir reduzir a 20% o agravo de risco no sinistro. A pauta de reivindicações das empresas é grande e precisa ser atendida urgentemente.