Arquitetos da Saúde

Entrevista: Em busca de uma nova visão sobre a assistência médica

O presidente da Aliança para a Saúde Populacional (Asap), Ricardo Ramos, é médico, vice-presidente da Funcional Health Tech e profundo conhecedor da gestão de saúde corporativa no Brasil. Em sua análise, o setor está em processo de transição. Diversas iniciativas administrativas e assistenciais têm sido aplicadas para reduzir os custos assistenciais, mas isoladamente produzem resultados limitados e temporários. O momento é de juntar todo o know-how adquirido nos últimos anos e administrar os planos de saúde a partir dos riscos da carteira. No futuro teremos ainda os modelos assistenciais centrados no paciente e focados na atenção primária e na coordenação de cuidados, além dos novos modelos de remuneração. 

Como você vê, efetivamente, a gestão da saúde corporativa no Brasil?

Ricardo Ramos:  Eu analiso o atual movimento de gestão de saúde corporativa no Brasil como estando em franca fase de transição. Chegamos a um fundo cego, em que inovar e buscar soluções inteligentes não é apenas uma oportunidade, mas uma obrigação. O aumento da inflação médica em mais de três vezes acima da inflação geral levou os preços assistenciais a níveis tão altos que algumas corporações estão repensando a sua abrangência e mesmo a viabilidade desse benefício. Considerando que existe a medicina assistencial, responsável pelo atendimento na rede credenciada dos planos de saúde, e a medicina ocupacional, responsável pela gestão do risco laboral dos colaboradores de uma empresa, chegou a hora desta última participar ativamente desse processo de resgate da sustentabilidade do benefício saúde.

Que recomendações daria para as empresas poderem de fato obter resultados positivos gerindo o próprio benefício?

Ricardo Ramos:  Ao longo dos últimos 20 anos participando de diversas negociações, assisti a uma série de iniciativas administrativas para tentar coibir o aumento dos custos assistenciais, como redesenho de plano de saúde, troca de operadoras, diminuição da cobertura (no limite do rol da ANS), franquias financeiras, co-contribuição e coparticipação. Outras medidas assistenciais também já foram e ainda estão sendo usadas, como gestão de pacientes crônicos, ambulatórios corporativos com missão assistencial, programas para gestantes, para obesos e para saúde mental, dentre outros. Essas iniciativas isoladamente dão resultados limitados e temporários. Pois bem, está na hora de juntar todo esse know-how adquirido pelo mercado nas últimas duas décadas e administrar os planos de saúde a partir dos riscos da carteira de saúde à qual o benefício se propõe cuidar. Portanto, conhecer o perfil de risco da sua carteira e desenhar um benefício de abrangência específica para cada caso é uma das saídas que enxergo no curto e médio prazos. Ainda no meu ponto de vista, no longo prazo estão os novos modelos assistenciais centrados no paciente, como os modelos assistenciais a partir da atenção primária à saúde e a obrigatória coordenação de cuidados para dar aos beneficiários o que eles de fato precisam, nem mais e nem menos.

Quais os maiores desafios para que isso se torne realidade no Brasil?

Ricardo Ramos:  É necessário que os modelos assistenciais mudem seus incentivos financeiros, pois atualmente o hospital, a clínica ou o laboratório são remunerados a partir das suas atividades pontuais, ou seja, cada procedimento tem um código e cada código tem um preço que é pago pela operadora, mas nesse atual modelo, não há bônus ou ônus atrelado ao desfecho clínico do paciente. Ou seja, se esses procedimentos fizeram bem, fizeram mal ou foram inócuos, isso não importa para o sistema. Portanto, acredito que os novos modelos de remuneração que estão timidamente sendo colocados em prática, com uma remuneração diferenciada para quem de fato tem impacto positivo sobre o desfecho clínico dos beneficiários, seja a saída para uma nova visão de mundo sobre a assistência médica. 

Da forma que está estruturada, a saúde suplementar sobreviverá por quanto tempo? Qual o cenário?

Ricardo Ramos:  Essa pergunta é muito difícil de ser respondida, pois as empresas estão no seu limite para manter o benefício saúde por conta de os custos aumentarem muito e serem de difícil controle. Soma-se a isso o fato do aumento da população idosa no Brasil estar crescendo muito rapidamente e a absorção de novas tecnologias que hoje salvam vidas (como medicamentos, materiais para procedimentos cirúrgicos, dentre outros). Esse coquetel de variáveis funciona como um catalizador da insustentabilidade do setor como está hoje. Muitos cálculos atuariais foram feitos para prever o impacto financeiro nos próximos anos, mas acredito que existem muitas iniciativas explodindo pelo nosso país que trazem criatividade e conceitos muito interessantes para mudar esse jogo. Junto a isso, a ANS deve promover nos próximos meses algum grau de flexibilização no desenho dos planos de saúde para contribuir na solução desse grande desafio.