Arquitetos da Saúde

As verdades necessárias que a pandemia nos trouxe

A pandemia antecipou algumas verdades necessárias para a saúde suplementar como um todo, segundo nos contam os Arquitetos da Saúde, Luiz Feitoza e Adriano Londres. Algumas mudanças de comportamento nos deixam a certeza de que é possível fazer diferente. O número de beneficiários persistiu, o que foi uma surpresa, mas sem uma recuperação da economia, vacinação em massa e aumento no desemprego, o quadro pode mudar. Alguns poucos atores têm procurado se reinventar e outros tantos novos entrantes podem também fazer a diferença. No contexto de um setor que vem diminuindo de tamanho, precisamos gerar mais eficiência.

 

1) Quais os destaques negativos e positivos, na sua opinião, que a pandemia trouxe para a saúde suplementar em geral durante o ano de 2020?

 

Luiz Feitoza: O que é negativo é muito mais evidente. Cirurgias adiadas, eventos represados e reajustes suspensos, ainda que este último possa ser positivo ou negativo dependendo da análise. Penso, inclusive, que imediatamente foi visto como positivo, mas como as regras de estorno só foram decididas depois pela ANS, pode ser que agora muitas pessoas e empresas se vejam numa situação difícil, pois para bancar é necessário que se tenha feito uma provisão. Eu imagino que a maioria das pessoas físicas não fez, pois não entenderam, não tinham como provisionar, não imaginavam como seria o estorno etc. Sobre o lado positivo, eu penso que o comportamento de se evitar usar o pronto socorro como um acesso fácil e indiscriminado vai perdurar. Não por causa do medo, mas por tudo o que foi construído em tão pouco tempo. Teleatendimento, priorização da atenção primária, protocolos de regulação mais inteligentes para fidelizar o tratamento com o médico cuidador, prontuários eletrônicos etc. É o momento de aproveitar que as pessoas estão mais abertas a ouvir sobre cuidado.

Adriano Londres: Os pontos negativos já têm sido bastante alardeados, mas eu destacaria o número de mortes no país que já ultrapassa muito os 200 mil. Sobre os aspectos positivos eu diria que a pandemia antecipou algumas verdades necessárias para a saúde suplementar como um todo, como o efetivo cuidado com a própria saúde e um olhar de responsabilidade coletiva para a saúde em geral. Claramente observamos uma mudança de comportamento neste sentido por uma parcela da população. Também vimos empresas contratantes de planos tendo que zelar pela saúde dos seus colaboradores, algo que ocorria de forma pontual. Do ponto de vista da assistência, vimos o crescimento exponencial da telemedicina garantindo acesso em tempos de restrição, bem como demonstrando que este tipo de atendimento pode e deve substituir uma parcela substancial de atendimentos até então feitos em prontos socorros. A pandemia nos deixa a certeza de que é possível e necessário fazer diferente em relação a muitos de nossos comportamentos até então.

 

2) Que efeitos colaterais decorrentes da pandemia comprometeram a cadeia da assistência na saúde suplementar?

 

Luiz Feitoza: Me surpreende como o número de beneficiários não só persistiu ante uma expectativa de forte queda como até aumentou. No início da pandemia a ANS chegou a divulgar uma queda de quase 300 mil beneficiários, cujo único crescimento até então foi na modalidade Coletivo por Adesão, mas depois até mesmo o Empresarial se recuperou. Penso que a ajuda do governo às empresas, flexibilizando as condições trabalhistas como suspensão temporária do contrato de trabalho e redução temporária de salário ou jornada reduzida ajudou muito, mas ao se findar essa flexibilização, sem uma recuperação da economia com uma vacinação em massa, se o desemprego aumentar mais, o quadro pode mudar e o número de beneficiários pode cair. Se levarmos em conta o histórico de correlação entre a variação do número de beneficiários e o desemprego, deveríamos nos preocupar. As operadoras tiveram um período para realizar provisionamento, não perderam beneficiários e estão recebendo retroativamente os reajustes não aplicados em 2020. Lógico que estamos na segunda onda da pandemia e isto traz muitas incertezas, porém, até aqui, o cenário de desolação previsto para o mercado de saúde suplementar me parece que ficou bem longe.

Adriano Londres: Também acredito em uma possível redução no número de beneficiários de planos de saúde. Como bem cita o Luiz Feitoza, as regras criadas pelo governo ajudaram a manter empregos e beneficiários. Porém, com o término dos benefícios ao longo deste ano, em um contexto de uma economia que não melhora, demissões poderão ocorrer, bem como perdas de beneficiários. Isto sem falar no impacto da cobrança retroativa dos reajustes represados de 2020, que também contribuirá para que beneficiários e empresas de pequeno porte deixem de ter acesso a planos de saúde. Eventualmente, estes poderão recorrer a planos mais restritos que vêm surgindo no mercado.

 

3) Você acredita que houve mudanças na percepção de valor tanto do consumidor em relação ao seu plano de saúde, quanto da operadora em relação ao seu beneficiário?

 

Luiz Feitoza: Ficou latente o valor que as pessoas dão ao plano de saúde, sobretudo em tempos de pandemia. Podem até não estar plenamente satisfeitas. A base pode não expandir sem uma solução definitiva dos altos reajustes, mas quem tem condições de manter o plano médico, não quer se arriscar a ficar sem. As operadoras precisam estar atentas para um movimento de mercado que vá além das fusões de pouco ganho concreto ao usuário final. Tem gente pensando em novas soluções a todo momento, tem surgido novas operadoras com novas propostas, produtos de saúde não regulados etc. É preciso estarmos atentos ao que gera valor de verdade para o usuário final.

Adriano Londres: Ficar sem o plano de saúde no contexto de uma pandemia seria extremamente preocupante para muitos e talvez esta questão também explique o porquê de não termos observado a redução de beneficiários na proporção esperada.  Porém, é importante distinguir “dar valor ao plano” com “o valor” que a cadeia de saúde suplementar efetivamente gera para os pacientes. Muito raramente medimos os desfechos dos serviços prestados.

 

4) Como você avalia movimentos do mercado como lançamento de IPO e fusões anunciadas? O que esperar para 2021 além de aspectos da pandemia?

 

Luiz Feitoza: Surpreende. Em face do nascimento de alguns novos concorrentes, operadoras líderes de mercado se preparam para mega fusões com o preço de suas ações nas alturas, mas não vejo ganhos significativos ao usuário final no que tange a preço e serviço. Assim como não vimos anteriormente este mesmo movimento em outros elos da cadeia com hospitais, grandes corretoras e administradoras etc. Se a base de beneficiários não romper os 47 milhões de beneficiários que persiste faz anos, é apenas um jogo de “rouba monte”.

Adriano Londres: De fato parece que vivemos vários mundos em um só. De um lado, um setor que perde beneficiários desde 2014 e de outro, valorizações na direção contrária ao que esta tendência demonstra. Naturalmente que muitos destes movimentos individuais trarão sinergia e ganhos de eficiência. Porém, convém não perdermos a perspectiva da necessidade de avaliarmos o que será melhor para os pacientes, motivo de ser de todos nós.  Temos ainda alguns poucos atores que têm procurado se reinventar e outros tantos novos entrantes que podem também fazer a diferença. No contexto de um setor que vem diminuindo de tamanho há anos, precisamos gerar mais eficiência para contribuir para a reversão deste quadro.