Arquitetos da Saúde

A pandemia tornou ainda mais visível o valor do plano de saúde

O diretor-gerente da Bradesco Saúde, Flavio Bitter, faz uma avaliação geral do papel das operadoras na cadeia da saúde suplementar e das mudanças trazidas pela pandemia. Segundo ele, por serem a parte mais visível da cadeia, responsáveis por materializar o plano de saúde por meio de processos diversos, as operadoras acabam sujeitas a virar alvo das maiores críticas. Bitter explica, no entanto, como muitas coisas podem ser diferentes, já que o diagnóstico é conhecido. Quanto aos efeitos da pandemia para as operadoras, ele acredita que haja perspectiva de evolução da carteira, uma vez que com a crise sanitária o plano de saúde tornou-se um serviço ainda mais valorizado pela população. Finalmente, em relação às consequências desse momento único na história da sociedade, a pandemia impulsionou a transformação digital também na saúde e a parte talvez mais visível dessa transformação é a telemedicina, que veio para ficar. 

1) As operadoras de planos de saúde, apesar de serem o único elo regulado da saúde suplementar, publicarem balanços periódicos e democratizarem o acesso, ainda são o principal alvo de críticas da cadeia. Qual a explicação para isso? 

Flavio Bitter: Acredito que as críticas decorram justamente dessa maior transparência e por estarem no “last-mile”, termo amplamente usado na logística, para designar a etapa final da entrega de um produto, tipicamente mais complexa e com maior visibilidade do que o restante do processo. É natural que as operadoras de planos de saúde, por serem os responsáveis primários pela gestão da carteira e por materializarem o plano de saúde por meio da organização de processos de vendas, autorização de eventos e, por fim, da cobrança mensal aos usuários, sejam a parte mais visível da cadeia e, portanto, sujeita a virar alvo das maiores críticas. 

No entanto, ainda que seguramente haja espaço para aprimoramento do processo e gestão das operadoras, sem dúvida nenhuma há preconceitos enraizados na sociedade, refratariedade em ouvir o outro lado e desconhecimento técnico por grande parte das pessoas, o que gera incompreensão e só agrava a questão.  Mais de 80% de todos os valores pagos às operadoras são destinados à assistência médico-hospitalar por meio de consultórios, clínicas, laboratórios diagnósticos e hospitais, dentre outros. Logo, a cadeia da saúde é fundamental para o atendimento, para formação do seu custo e, principalmente, para o compromisso de entrega de maior valor ao beneficiário, o que se dá pela melhora do desfecho clínico, algo que não é adequadamente divulgado pela cadeia e que, ainda que não haja obrigação legal, deveria ser o principal aspecto concorrencial e de atração dos beneficiários.  

2) O que poderia ser diferente? 

Flavio Bitter: O diagnóstico está dado há algum tempo: sempre tivemos um modelo de atenção à saúde muito hospitalocêntrico onde demandas simples, e não emergenciais de saúde, são tratadas em pronto-socorro com menor efetividade no acompanhamento do tratamento e com mais alto custo. Adicionalmente a rede é fragmentada e não conectada, além de deter um modelo de remuneração baseado nos procedimentos realizados, independentemente do resultado assistencial, que pode se traduzir no incentivo à geração de maiores desperdícios. 

A Bradesco Saúde está fazendo parcerias com todos os elos da cadeia, buscando maior alinhamento. Junto aos prestadores, temos desenvolvido e acordado novos modelos de remuneração que geram maior previsibilidade e estímulo à qualidade assistencial. Pagamentos via diária global, procedimentos padronizados e capitation, dentre outros, já são a principal forma de remuneração em algumas localidades.  

Na outra ponta, nossa estratégia principal está focada na revisão do modelo assistencial, incentivando o atendimento primário e a coordenação do cuidado focada em uma maior resolubilidade e qualidade. Temos iniciativas como a criação das clínicas Meu Doutor Novamed, pertencentes ao grupo Bradesco e hoje presentes por meio de 17 unidades estrategicamente escolhidas em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Curitiba, além da rede Meu Doutor, com a participação de médicos cuidadosamente selecionados. 

A criação de novos produtos com ótica regional busca reorganizar a atenção à saúde ao mesmo tempo que fortalece a parceria com a rede referenciada na busca de qualidade e sustentabilidade, se traduzindo em preços competitivos. Apenas nesse segundo semestre fizemos lançamento (virtual, claro!) de sete novos produtos, iniciando em Brasília e terminando em Porto Alegre. Além disso, desenvolvemos ações de gestão do beneficiário incentivando a promoção da saúde e prevenção de doenças, tais como nossos programas de suporte aos portadores de doenças crônicas, por exemplo. Esse conjunto de iniciativas tem se traduzido em maior valor para os clientes, por gerar produtos com alta qualidade aliada a um controle de custos.  

Por fim, através de novas plataformas e sistemas de workflow, temos atuado cada vez mais em conjunto com os RHs na gestão do benefício, potencializando o seu papel fundamental de gestor populacional, com benefícios claros para reduzir o absenteísmo e aumentar a qualidade de vida e a produtividade. Essas mudanças somadas ao processo de transformação digital em curso acelerado abrem um leque de oportunidades para o mercado de saúde suplementar. 

3) Qual a análise que você faz sobre os efeitos da pandemia sobre as operadoras de planos de saúde e o que será (ou não) diferente daqui em diante? 

Flavio Bitter: Mesmo com cenário macroeconômico desfavorável em decorrência da pandemia, temos demonstrado certa resiliência pela capacidade de retenção de clientes e pela conquista de novos. A perspectiva é de evolução da carteira, uma vez que toda esta situação mostrou a importância do seguro saúde e do acesso à atenção à saúde de qualidade. Depois dessa crise sanitária, sem dúvida, o plano de saúde torna-se um serviço ainda mais valorizado pela população. 

Em relação às consequências desse momento único na história da sociedade, certamente, a pandemia impulsionou a transformação digital em diversos setores, e não foi diferente na saúde. Com a necessidade das mudanças na forma de se relacionar e a nova legislação, a parte talvez mais visível dessa transformação, foi a telemedicina. E veio para ficar, não sendo mais possível retroceder. Desde o lançamento do serviço de consulta à distância, já foram cerca de 140 mil atendimentos realizados por vídeo e por telefone. Desse total, mais de 61 mil vídeo-consultas com médicos pelo aplicativo. Em relação à efetividade do serviço, 88,5% dos atendimentos foram resolutivos, ou seja, não houve necessidade do beneficiário ser encaminhado a um pronto atendimento (hospital ou clínica).  

A Bradesco Saúde observou uma mudança no comportamento de seus beneficiários na adesão às plataformas digitais. Além do uso cada vez maior da telemedicina como fonte de orientação médica e tratamento de eventos simples, a adesão de novos segurados às nossas plataformas foi muito significativa. Já é possível notar a fidelização dos beneficiários ao serviço após a primeira utilização. Aproximadamente 30% destes realizaram duas ou mais consultas, sendo alguns com mais de seis atendimentos neste curto período em que a telemedicina foi disponibilizada.  

Outro exemplo de mudança de hábitos em razão da tecnologia ocorreu no processo de reembolso. Antes da pandemia, o meio digital era a preferência de 45% dos nossos usuários. Após a pandemia, o número subiu para 95%, e considerando o nível de satisfação, se manterá nesse patamar daqui para frente.