Arquitetos da Saúde

A luz do sol é o melhor detergente…

Interessante observar uma tendência crescente dos elos da cadeia da saúde suplementar, a partir de suas entidades de classe representativas, em produzir e/ou contratar estudos que têm como objetivo trazer mais luz sobre o setor.  A busca de transparência é, sem dúvida, um caminho necessário para a melhor compreensão dos desafios e respectivas soluções que possam vir a contribuir para a sustentabilidade do setor. Analisando as entrelinhas, no entanto, parece-me que ainda há muito mais a fazer neste sentido. Vejamos o porquê.

Em março de 2017, o Instituto de Estudos em Saúde Suplementar (IESS) publicou o estudo Evidências de Práticas Fraudulentas em Sistemas de Saúde Internacionais e no Brasil. O estudo em questão identificou que 12% e 18% das contas hospitalares apresentam itens indevidos e entre 25% e 40% dos exames laboratoriais não são necessários, resultando em R$ 22,5 bilhões de gastos indevidos (fraudes e desperdícios) no ano de 2015.

Meses depois, a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) e Associação da Industria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) publicaram o estudo Custos da Saúde Privada: Fatos e Interpretações. Segundo a Interfarma, o objetivo do referido trabalho era demonstrar que os serviços prestados pelos hospitais assim como os medicamentos não eram os principais responsáveis pela grande escalada de custos da saúde. O estudo esclarece ainda a diferença entre inflação médica (variação de preços) e custos de saúde (que engloba a frequência), concluindo que o custo pode variar apesar de não haver alteração de preços.

Sobre este mesmo estudo, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), se posicionou afirmando que cerca de 30% das receitas em saúde nos setores púbico e privado são perdidas, seja por ineficiência na gestão, desperdícios e até corrupção. Segundo representante da Abramge, ambas as entidades acima não possuem legitimidade para discutir o tema e deveriam fazer sua lição de casa no combate a questões antiéticas e imorais.

Recentemente o IESS publicou o estudo Impacto das fraudes e desperdícios sobre gastos da Saúde Suplementar com dados atualizados de 2017 que estimam em R$ 27,8 bilhões os gastos com fraudes e procedimentos desnecessários.

Na mesma semana, a Anahp divulgou estudo contratado à Compass Consultoria que aponta o aumento de 33% na frequência (de 21,1 para 28,1 utilizações/ano) como o principal motivo para o aumento de custos de saúde entre os anos de 2012 e 2017. 

Todos os estudos acima citados são extremamente bem-vindos na medida em que há consenso quanto à falta de transparência no setor de saúde suplementar. Falta transparência por todos os lados, seja no sistema de precificação de insumos, no modelo de remuneração (incluindo aqui práticas antiéticas por intermediários entre a indústria e parcela dos médicos), na produção de indicadores de desfecho, na clareza e dimensionamento dos efetivos ofensores de custos de saúde e muito mais. 

Se de um lado a produção destes estudos é positiva, de outro a leitura das entrelinhas destes mesmos estudos demonstra que os espíritos estão bastante armados na medida em que parcela destes mesmos estudos frequentemente apontam culpados que, coincidentemente, são sempre alheios àqueles que contrataram os estudos.  

Nietzsche traduz bem o contexto em questão quando diz que “não há fatos, mas sim interpretações. Nesse sentido, a verdade em relação a um determinado fato torna-se dependente da perspectiva que utilizamos para interpretá-lo.” E assim o é. Faz parte.

Que a produção de estudos tecnicamente fundamentados seja cada vez mais um dos antídotos para os dias pesados da atualidade. Afinal, como bem disse o juiz da Suprema Corte americana, Louis Brandeis (1856-1941), “a luz do sol é o melhor detergente.” E que, no caso da saúde suplementar, este mesmo sol venha acompanhado de novos ares que refresquem os nossos espíritos e nos permitam enxergar inclusive a nossa parcela de responsabilidade nos desafios que ora se apresentam.