Arquitetos da Saúde

Inércia na saúde corporativa: a culpa é do dono!

Tenho refletido a respeito do porquê da demora de parte das empresas em efetivamente assumir de vez as rédeas da gestão de saúde corporativa, mesmo já tendo passado alguns anos desde o início de uma crise econômica que as atingiu diretamente, gerando a necessidade de busca de maior eficiência em seus ramos de atuação. Como o custo do plano de saúde é altamente representativo era esperado que surgisse a necessidade de repensar o olhar e atuação sobre o tema. O despertar para a necessidade de mudança, ou seja, uma maior conscientização sobre o tema, de fato ocorreu. Mas, em grande parte, parou por aí. Afinal, aqueles que reconheceram a necessidade de mudança, na prática, muito pouco mudaram.

Empresas estão extremamente aborrecidas com o contínuo repasse de ineficiências e desperdícios de toda a cadeia (eles incluídos, que fique bem claro).  Acordaram às duras penas para o óbvio que esta conta recai sobre as mesmas, sob a forma de reajustes. Não foi por outro motivo que muitas dessas empresas passaram a desconfiar da capacidade de corretores, operadoras de planos de saúde e prestadores de serviços médico-hospitalares (com destaque para os hospitais neste segmento da cadeia), efetivamente proverem soluções sistêmicas e sustentáveis. Está claro que as empresas não querem mais esse esquema tático de jogo. Mas, insisto, por que poucas entraram em campo se não estão satisfeitas? Arrisco-me a alguns palpites e uma certeza.

Em primeiro lugar, não resta a menor dúvida de que parcela dos representantes de recursos humanos, ao mesmo tempo que não estão satisfeitos com os “entregáveis” que vêm recebendo, não têm a menor ideia de como sair desta armadilha. E, assim, insistem em soluções paliativas, pouco profundas e nada integradas que, em última análise, não corrigem incentivos, definem prioridades, organizam o cuidado e tão pouco comprometem seus colaboradores.

Em segundo lugar, existe aquela parcela de empresas que acha que está no caminho certo, quando na realidade enxuga gelo ao invés de tratar das causas. Sob o canto da sereia de corretores gulosos de agenciamentos, muitas vezes ainda são levadas a acreditar que a mera troca de operadora (o mesmo que tirar o sofá da sala) irá trazer os resultados mágicos esperados de redução de custo. Esquecem ou desconhecem que não se muda demanda e comportamento apenas com esta ação.

Nesta mesma linha estão as empresas cujas lideranças acabam delegando integralmente para a área de suprimentos a condução desta contratação peculiar, agindo de forma míope ao levianamente acreditar que também aqui a sua usual imposição na dinâmica da relação com os fornecedores resolverá o problema. São convocados com frequência como salvadores da pátria, mas sem que isoladamente sejam capazes de compreender a dimensão dos desafios e a complexidade das variáveis de comportamentos e custos em saúde. E ainda se surpreendem quando os resultados não vêm. Que fique bem claro que não tenho nada contra a participação da área de suprimentos no processo (muito pelo contrário, seu conhecimento é sempre bem-vindo nos processos de contratação e negociação), mas não se pode dar carta branca para quem não conhece ou domina as particularidades e dinâmica deste complexo tema. No mais, em saúde, redução sustentável de custos é consequência de um adequado e estruturado plano estratégico para este fim e não de arrocho nas negociações com fornecedores (operadoras de planos de saúde).

Em terceiro lugar, existe uma enormidade de empresas que parecem não ter entendido a dimensão do desafio diante da mudança de cenário da saúde como um todo e continuam tratando deste imenso desafio de forma operacional ou tática, completamente desprovida de conhecimento técnico e atuação estratégica.

Pois bem, estas reflexões vão muito além do conhecimento pessoal do setor e se confirmam na Pesquisa sobre Gestão da Saúde Corporativa realizada pela ABRH Brasil com cobertura nacional, utilizando metodologia de enquete, entre maio e junho de 2017. Ao todo, foram 668 respondentes, sendo 50% destes líderes de RH. As empresas participantes foram, por porte, 42% pequenas, 28% médias e 30% grandes (acima de mil pessoas). Empregavam juntas mais 1,3 milhão de pessoas e atendiam três milhões de beneficiados pelos planos de saúde empresariais.

Antes de prosseguir, registro que uma nova edição está prevista para ser realizada em breve.  Já me adianto a arriscar, pelas conversas periódicas que mantenho com lideranças de RH e de entidades de classe representativas dos mesmos que, os resultados trarão mais do mesmo.

E aí me pergunto por que o comportamento de parte das empresas continua desafiando a terceira lei de Newton, na medida em que não tem havido uma reação por parte das mesmas na mesma proporção e em direção contrária quando o tema é saúde corporativa? Pois bem, conforme demonstra a pesquisa em questão, as empresas efetivamente não vêm agindo sobre as causas e demonstram ter pouco planejamento e profundidade para tratar dos desafios de gestão de saúde corporativa de forma técnica e estratégica. São de causar perplexidade alguns dos resultados, onde de um lado:

·         Para 81% das empresas os custos com o plano de saúde subiram acima de 5%, sendo que em 55% delas, o acréscimo foi de mais do dobro da inflação;

·         Em apenas 17% das empresas a expectativa era de redução de custos nos próximos anos;

·         61% das empresas entendem que a ação que mais contribuiu para a redução de custos foi a negociação com fornecedores (operadoras de planos de saúde);

·         Mais de 50% das empresas não possui programas estruturados para gerenciamento de grupos de riscos;

·         Mais de 50% das empresas não possui programas de alimentação saudável;

·         51% não têm programas estruturados para gerenciamento de grupos de riscos;

·         54% das empresas não trabalham com indicadores estratégicos em seus programas de gestão de saúde;

·         41% dos responsáveis pela gestão dos programas de saúde são analistas e coordenadores;

·         A saúde dos colaboradores é tratada como prioridade da direção em apenas 12% das empresas.

Conforme demonstra a própria pesquisa em suas conclusões:

·         Os problemas se repetem e agravam (vide expectativas de custos) na medida em que que as empresas não atuam sobre as causas;

·         Uma parcela das empresas nada faz e apenas assiste os custos subirem, (na expectativa talvez de que um milagre ou o acaso irão gerar maior eficiência dos custos em saúde);

·         Empresas ainda acham que a melhor solução está na negociação com fornecedores esquecendo-se que precisam fazer internamente a sua lição de casa ao invés de depositarem suas fichas na negociação dos sintomas;

·         Se as estratégias e programas de saúde estivessem funcionando apropriadamente, os resultados seriam bem superiores aos apresentados na pesquisa;

·         Sendo a 2ª maior despesa de RH, era de se esperar que a gestão estivesse com os que têm maior poder de decisão e influência;

·         A direção das empresas efetivamente não entendeu que precisa trazer para si a responsabilidade da condução deste complexo desafio e tratá-lo de forma prioritária e estratégica.

Os dados da pesquisa não nos deixam mentir. Mas, aprofundando um pouco o tema e lendo as entrelinhas, fica claro para mim que a culpa é do dono, que é o responsável final pelos rumos da empresa. Da mesma forma que os custos atuais em saúde são consequências da ausência quase que absoluta de gestão, esta por sua vez é fruto da falta de cobrança e apoio do dono e/ou do conselho de administração, a quem cabe tomar as decisões estratégicas nas quais com certeza se inserem os grandes desafios da saúde corporativa. Na prática poucos são os que se aprofundam no assunto, preferindo a maioria delegá-lo aos seus presidentes e diretores de recursos humanos.  

Falta ao dono e/ou seus representantes trazerem o tema para sua responsabilidade e patrocinarem com recursos e estrutura as ações estratégicas neste sentido. Mas isto não é tudo. Também cabe aos mesmos a compreensão de que o desafio das questões de saúde do colaborador tem dinâmica própria e maturação de resultados em um tempo mais amplo do que as usuais cobranças de resultados no curto prazo.

Em suma, ou as empresas incorporam como valor o cuidado responsável com a saúde dos seus colaboradores, ou continuarão a ter seus resultados corroídos pelos efeitos da omissão.

Com a palavra, o dono!