Arquitetos da Saúde

A Corrupção de sobrevivência na saúde mata: materialização do seu impacto

No meu último artigo “A Corrupção de sobrevivência na saúde mata: alinhando expectativas” abordei alguns pontos visando alinhar as expectativas em relação à abordagem de determinados exemplos que permeiam a cadeia de saúde suplementar como um todo.

Mas, ao longo do Carnaval, longe das festividades, tive uma ideia ou, talvez, um devaneio. Neste sentido, gostaria de fazer uma nova reflexão sobre o tema, antes de prosseguir com os exemplos concretos que prometi abordar em textos futuros.

Peguei-me pensando em como materializar o impacto financeiro da corrupção e fraude na saúde suplementar. E acho que encontrei um primeiro passo nesta longa caminhada. Vamos lá.  Considerando os dados públicos da ANS do ano de 2018, tivemos aproximadamente 160 bilhões de reais de sinistro. A partir desta mesma rica base de dados, o custo per capita daquele ano foi de R$ 282,45. Pois bem, assustador verificar que, conforme a tabela abaixo, a cada 1% de desvio em corrupção e fraude, estamos falando de recursos equivalentes ao custo anual de 472.273 beneficiários.

 

Desde já esclareço que não estou fazendo correlação direta com acesso. Ou seja, não estou inferindo que cada 1% de desvio de recursos em corrupção e fraude na saúde suplementar exclui 472.273 beneficiários por ano. Que a corrupção de sobrevivência expulsa beneficiários eu não tenho a menor dúvida, apenas não sei avaliar a proporção disto.

Porém, se pensarmos por exemplo que o acesso majoritário ao plano de saúde é dado pelas empresas, não tenho dúvidas que as mesmas podem sim estar “cortando vidas” em função do custo. Custo este impactado também pela corrupção e fraude existentes no setor. Apenas como exemplo isto ocorre quando empresas eliminam ou reduzem o subsídio aos planos de saúde dos dependentes de seus colaboradores. Neste cenário estamos falando de cônjuges e filhos que passam a não ter planos e, consequentemente, um colaborador que não trabalha em paz.  Indo além nesta reflexão com o chapéu corporativo, me pergunto quantos programas de saúde preventiva ou quantas consultas médicas poderiam ser feitas a cada 1% de recursos desviados.

Voltando à tabela acima, tampouco estou sugerindo que a corrupção e a fraude se limitam a 10% do valor do sinistro/ano dispendidos pelo setor. Apenas limitei a tabela anexa neste percentual para não torna-la ainda mais extensa. Até tenho minha estimativa, sem qualquer fundamentação técnica, assim como todos aqueles que me leem devem ter a sua.  Sobre este ponto, entendo que necessariamente caberia um estudo técnico mais aprofundado e fica, desde já, esta recomendação na remota eventualidade do setor se juntar e de forma corajosa e desarmada enfrentar esta vergonha coletiva.

Dito isto, não posso deixar de registrar que gosto da ideia materializar este tema à luz de um eventual índice de “equivalência de beneficiários” como fiz na última coluna da tabela acima. Explico. A meu ver, falar em beneficiários (o que se traduz em vidas) embute um simbolismo gritante na medida em que são estes que, pela via da restrição de acesso, impacto na assistência e/ou aumento de custos, são efetivamente afetados pela corrupção e fraude.

Indo além, para fins da tabela acima, eu poderia simplesmente me restringir ao resultado econômico que o percentual x ou y de corrupção e fraude trazem para o setor. Por mais importante que isto também seja, ele não reflete a dimensão ética sobre o tema. Ética envolve a relação entre pessoas. E, ao fim e ao cabo, corrupção e fraude impactam pessoas.

Recursos são frios, tangíveis e materiais. Pessoas são quentes, vivas, subjetivas. Falar de beneficiários (ou vidas), em maior ou menor grau, nos humanizam pelo simples fato de que atinge a todos nós. A mim, toca mais a alma e me incomoda ainda mais esta abordagem. E imagino que assim o seja com você que lê sobre este meu devaneio. Como consequência imagino que nos gera desconforto, incomodo e vergonha. Parece-me que fica claro precisarmos de uma abordagem nesta linha para, quem sabe, sairmos desta inércia coletiva de conveniência.

Portanto, até que tenhamos um estudo mais aprofundado sobre o tema, deixo a sugestão de que passemos a abordar temas desta natureza a partir de um índice hipotético que poderíamos apelidar de “Índice de Beneficiários Equivalentes (IBE)”. Ou seja, o que este índice traduz, para que não nos esqueçamos, é que 1% de corrupção e fraude na saúde suplementar com base em dados públicos da ANS de 2018, equivale ao custo de 472.273 beneficiários.

Em linha com o Índice Big Mac, utilizado para compor uma fórmula que mede o poder de compra de determinada moeda, que usemos o IBE, ainda que provisoriamente, para calcular a equivalência em quantidade da beneficiários, dos impactos da corrupção e fraude na saúde suplementar. Em comum, o fato de que ambos são lesivos à saúde. Triste realidade!