O Brasil acaba de ser derrotado na Copa do Mundo da Rússia de 2018. Uma derrota muito semelhante àquela para a qual vimos, coletivamente, contribuindo na Saúde Suplementar, com o agravante de que na saúde os danos são muito profundos e longevos. Um olhar a partir das repercussões acerca da RN 433 (embora este mesmo olhar possa ser feito sob várias outras óticas) nos ajuda a entender porque é possível traçar um paralelo entre ambos os acontecimentos.
Assim como no futebol, o tema saúde é frequentemente abordado de forma extremamente emocional. No caso do futebol o motivo é óbvio, pois mexe com paixões e patriotismo. No caso da saúde, este mesmo sentimento também é, e em parte compreensível por se tratar de um bem maior do indivíduo, de dimensões não valoráveis, com percepção de ser um direito irrestrito e infinito. Acresce a isto a sensação de ser algo parcialmente “injusto” na medida em que se paga adicionalmente pelo acesso à saúde, na medida em que se trata de um direito garantido constitucionalmente. Ou seja, não se paga porque se quer, mas porque o Estado é incompetente no provimento deste direito e isto por si só, ainda que a decisão seja racional, gera um sentimento emocional.
Embora não seja um especialista em futebol, poderia inferir pelos resultados obtidos em ambos os “campos” que tanto a seleção de Tite quanto a seleção da saúde não jogam de forma harmônica, sistêmica e convincente. Ambos desejavam a vitória, mas na prática já foram (no caso da seleção de Tite) ou caminham para ser (no caso da seleção de saúde) derrotados.
Assim como cada jogador em campo, cada elo da cadeia de saúde (sejam eles o financiador, as operadoras, os prestadores e/ou os beneficiários) joga por si, prevalecendo com grande frequência os interesses individuais mais que os resultados coletivos. É possível que seja implicância minha, mas é desta forma que vejo o Neymar. No caso da saúde é bem pior. Todos os “Neymares” (representados pelos elos da cadeia e inclusive suas representações de classe) jogam no individual e pouquíssimos fazem pelo coletivo. Ou seja, no time da saúde temos “jogadores” atuando uns contra os outros, esquecendo-se completamente que o interesse é comum.
Na seleção Brasileira é o técnico quem faz as alterações quando um ou outro não vai bem ou se precisar alterar o esquema tático. Na saúde o desentendimento é tão grande que já se vê jogadores abandonando o próprio campo de jogo, como demonstrou, por exemplo, o IDEC ao desembarcar da Câmara de Saúde Suplementar esta semana. É como se o jogador pedisse para sair de campo por discordar do esquema técnico (e regulatório no caso da saúde), proposto pelo órgão regulador.
Mudando um pouco o enfoque, pode-se analisar a desintegração dos atores, ou jogadores, sob um outro ângulo. Vejamos por exemplo o papel das torcidas organizadas sobre o que ocorre em campo. A meu ver, neste contexto são representados pelas entidades de classe. Impressionante a apatia de grande parte. Comparecem ao estádio, mas estranhamente não torcem pela vitória do time da saúde. Novamente a RN 433 é um bom exemplo para entendermos o que quero dizer. Ainda que tenha sido uma iniciativa fundamental e pedagógica para a mudança de postura de uma parte do time (os usuários neste caso), a torcida não comemora este gol. Pelo contrário, enquanto o “time do contra” insiste em dizer que não foi um golaço, aqueles que têm visão equilibrada do esquema técnico de jogo (aspectos técnicos e regulatórios) e deveriam estar comemorando este gol, não levantam os braços para comemorar, não gritam em apoio, não balançam uma única bandeira. Triste ver que entidades representativas de classe (de operadoras e prestadores) não emitiram uma única linha de apoio a esta iniciativa. E, para piorar, enquanto entidades que talvez não saibam, mas na prática contribuem para o time da saúde fracassar do ponto de vista técnico, emitiram comunicado conjunto de repúdio por meio de enormes faixas nos estádios, ou melhor nos órgãos de imprensa. De outro lado, me causa perplexidade constatar que no episódio da RN 433 não vi uma única faixa conjunta nos estádios (linha publicada conjuntamente nos órgãos de imprensa).
Por fim, falemos do esquema tático propriamente dito. O 3-3-3 da saúde não trará grandes resultados e já coloca o campeonato em risco. Afinal, insistir na tríade doença-hospital-tecnologia aliado a um modelo de remuneração conflitante, tem levado aos desperdícios e ineficiências e todos têm pago um preço altíssimo….muitos, aliás, já deixam de conseguir inclusive pagar. Vide a exclusão de 3 milhões de torcedores dos estádios, ou melhor, beneficiários da Saúde Suplementar. Onde está o 1-1-1 (prevenção-saúde-médico) vencedor? Mudar o esquema tático, ou modelo assistencial, nesta linha, com certeza nos levaria a resultados fantásticos. Em suma, a mudança mais importante que precisa ocorrer, sem desmerecer as demais, é o que chamo de “mudar o jogo jogado dentro de campo”, ou seja, focar o modelo assistencial em saúde e integrá-lo a partir da correção de incentivos.
Mas e o técnico, onde entra nisso? No caso da nossa seleção e de nossos times em geral, basta uma curta temporada de resultados ruins para já se pensar em mudanças. Bem, no campo da saúde não é diferente. Afinal, já pararam para pensar que, apenas nos últimos 20 anos tivemos 13 Ministros da Saúde? Como pode dar certo um time onde a politicagem da saúde pode prevalecer sobre a política de saúde? É por estas e outras que, enquanto não mudarmos as posturas dos envolvidos, continuaremos caminhando rumo ao abismo com nossa “fantástica” (anti) seleção da saúde.